Sou psicóloga há 9 anos, já atendi muitas pessoas, diversas histórias já foram construídas e desconstruídas no espaço intimo que cada um consegue sustentar para si quando está disposto a navegar pela experiência de uma psicoterapia. Mas eu ainda me surpreendo com o quão rico somos enquanto seres humanos, experiências e perspectivas e o quão a nossa própria imagem de nós muitas vezes acaba sendo construída através de retalhos e migalhas daquilo que dizem de nós.
É fato que somos seres que nos desenvolvemos em relação com outros seres, e que essa experiência não é igual para todos, dado que cada um tem sua formação neuropsicológica baseada em muitos fatores, mas o ponto que quero chegar é no quanto se não formos bem orientados em nosso processo de crescimento, começamos a nos perder de nossas próprias referencias de nós, esquecemos que o caminho é de dentro pra fora e não o contrário. A bagunça se instala.
Quantas histórias já ouvi de pessoas que tentavam ser “algo” ou “alguém”, e pouco se percebiam enquanto seres que JÁ eram. Quantos analisandos chegaram com a questão “eu não sei quem eu sou”, porque tinham pouca intimidade com suas demandas e desejos internos e tentavam arduamente corresponder aos modelos sociais. Em alguns desses casos eu costumo dizer algo como: sabe aquela vozinha lá dentro de você que quando você diz “sim” para algo que você queria dizer “não” aparece falando “eu não queria fazer isso”? Essa voz é você e sua verdade mais intima. Muitos percebem que não davam a mínima atenção pra essa “voz”, que as vezes a rechaçavam, que a achavam errada, boba, que ela precisava ser silenciada, mas quando começaram a olhar para ela e a permitir sua existência, a dar lugar pra ela além do íntimo e a sustentar aquilo que ela dizia mesmo que fosse contra aquilo que o externo esperava, novos desafios começaram a aparecer, assim como novos sorrisos, novos caminhos e uma nova realidade.
Eu entendo que esse tipo de mudança dá medo pois não se tem garantia nenhuma de que você vai continuar sendo amado e aceito por pessoas que você ama, ou que tudo vai ser mais fácil, mas é certo que abre possibilidades para tantas outras pessoas te amarem, te conhecerem e se encantarem por isso que te faz você, inclusive você mesmo.
Não é um processo simples e sempre bonito, não tem nada de romântico e cada um vai caminhando no seu próprio tempo para dar contar de sustentar esse lugar de ator de seus próprios desejos, protagonista do seu próprio filme. Tudo isso exige muita responsabilidade, lucidez e a gente perde um tanto de ilusões e supostas seguranças pelo caminho, mas a ignorância não é essa benção toda que dizem por aí, há muito sofrimento naquilo que não se sabe ou não se permite saber.
E eu, fico aqui pensando sobre tudo isso e torcendo para que meu trabalho continue possibilitando que tantos novos caminhos surjam, que eu tenha a chance de conhecer tantos novos protagonistas de suas próprias vidas, de acompanhar tantas histórias interessantes sendo escritas e tantas novas perspectivas de si, para além das migalhas e retalhos de outros, sendo percebidas. O ser humano sendo humano é bonito demais, que a gente possa se desrobotizar e ter a coragem de sermos lúcidos.
Beijos e cuidem das suas cabecinhas!