O esvaziamento de pautas e palavras.

Pensando sobre esse processo na internet.

Sabe quando você é criança e de repente uma palavra te parece muito engraçada/esquisita/diferente e você fica repetindo ela até que ela acaba perdendo o sentido? (Não é possível que essa seja uma experiência única minha, é?)
Então, tenho a sensação que as redes sociais potencializaram isso de maneira estratosférica. Já parou pra notar quantas palavras e pautas perderam o sentido nos últimos tempos pela quantidade de repetições e equívocos nessas repetições ligadas a elas?

A palavra hiperfoco por exemplo, gente, não faz sentido usar essa palavra fora de contexto clínico/diagnostico, ela é específica, tem recorte, como assim agora basta você gostar muito de algo quer dizer que tá com hiperfoco? (Help)
Parece bobo, do tipo “ai é só uma palavra”, mas isso esvazia o sentido de algo que demoraram anos para construir sentido e ser aplicado em contextos específicos. E sim, isso me incomoda.
E não digo só porque eu tenho hiperfoco de fato e sei o quanto isso não é tão legal quanto pensam e em alguns momentos entrar em hiperfoco é algo que até me adoece, física e psicologicamente, mas porque isso tem acontecido com tantas outras coisas importantes para nós enquanto sociedade.

Feminismo, é outro exemplo de palavra que foi completamente esvaziada do propósito e deturpada de sentido, poxa, era tão importante que ela fosse mantida com a importância e sustança que tem.

Toxicidade, gente, tudo é tóxico agora. Tudo aquilo que sai do esperado e te frustra é esse nome que tem? Qualquer coisa que te faz mal, coisas essas que na maioria das vezes é você mesmo que escolhe, é resumido imediatamente em algo tóxico, cadê a elaboração disso?

Terapia, houve uma glamourização de fazer terapia, ou mesmo uma imposição de que TODO MUNDO precisa de terapia, vários vídeos antiéticos de pessoas ou psicólogos filmando suas sessões sem autorização, falando de seus pacientes publicamente sem autorização, e gente, não, nem todo mundo precisa de terapia. É fato que tem muitas pessoas adoecidas no mundo, afinal, fazemos parte de um sistema adoecedor, mas tem sim pessoas que não precisam, que conseguem lidar bem com suas questões, encontram apoio em suas relações, na arte, na música, na espiritualidade, nos hobbies, até no próprio trabalho e está tudo bem.

Transformar a terapia em mais um check que você precisa ter para parecer cool e esclarecido, tira dela o que tem de mais valioso, que é o desejo genuíno de se conhecer, de aprender a fazer algo diferente com aquilo que dói e/ou incomoda, e isso não se impõe, não é sobre status, não dá para esvaziar o sentido de algo tão complexo colocando em mais uma prateleira de repetições sem sentido.

Narcisismo, quantas pessoas vocês já ouviram dizer que alguém é narcisista por motivos tolos? Vocês sabem o que de fato significa o narcisismo? Ou mesmo pessoas narcisistas?
Porque boa parte desses conteúdos são jogados em vídeos de menos de 1 minuto, sem relevância científica nenhuma.
Poxa, foi tanta luta pra fazer pesquisas, estudos, revolução, nomeação…

Gente, nomear não é qualquer coisa, dá MUITO trabalho, é muito SUADO.
Pra gente simplesmente fazer de gíria, esvaziar, acabar com a robustez que cada palavra e pautas dessas carrega.

Vocês percebem que a gente faz parte de um processo de emburrecimento social?
Desculpa se soa muito rude eu falar dessa maneira, mas não encontrei outra.
Redes sociais são legais em vários pontos, claro que são, estou eu aqui escrevendo esse texto em uma, comunicando as minhas ideias a quem tem interesse em me ouvir, trocar comigo, concordar ou discordar, mas, a maneira que estamos fazendo uso disso está completamente fora de contexto sóbrio, está adoecido em tantos aspectos.

Não quero aqui dizer para que não usemos das vantagens que a internet nos dá, mas que a gente se lembre sempre que somos humanos e que somos nós que temos que ter a consciência e a noção da importância disso antes de fazer uso das coisas, porque a internet, por exemplo, deveria estar no local de um meio de espalhar a robustez da vida, somar conteúdos, apostar na democratização e acesso as palavras e sentidos, a pautas importantes, um meio de fazer a arte, cultura, amizades. Mas o que me parece é que temos caído em uma “coisificação” da vida, numa precarização de sentidos.

Que a gente não aceite que o nosso uso da internet ou de qualquer outra coisa seja apenas mera distração da falta de sentido da vida, ou mesmo apenas uma maneira de descansarmos dos excessos que a vida de hoje nos coloca a produzir. Por mais contraditório que isso possa parecer.

Garanto que temos outras possibilidades para isso, basta estar disposto a elaborar mais que 1 minuto, a prestar atenção ao entorno, aprender a se distrair de maneira menos esvaziada, e por favor parar de esvaziar sentidos tão importantes.

Que a gente possa criar e descobrir novos ao invés disso.

Espero que a gente possa não parar de pensar em fazer a vida um lugar mais interessante de estar.

Beijos e cuidem das suas cabecinhas.